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Florbela... Linda Florbela...

"E se um dia hei de ser pó, cinza e nada/ Que seja a minha noite uma alvorada,/ Que me saiba perder... pra me encontrar..."

Memória Feminina

Do outro lado do vidro o pensamento parece correr mais do que os carros da BR 116. Pensamento desassossegado que parte não sei de onde e pretende chegar a conclusão alguma. No fim tenho certeza: são apenas coisas do coração da mulher. Os homens que me perdoem, mas, frequentemente, penso que eles não são capazes de se perder assim. Não podem voar através dos vidros dos carros. Não sabem desassossegar.

(Para não ser muito injusta, até acredito que os  homens só são capazes de alçar voo quando muito apaixonados, principalmente no auge de uma dor de amor.)

Tenho muitos amigos do sexo oposto. Já acompanhei muitos de seus sofrimentos de amor. É verdade: sofrem muito. Choram; bebem; ligam milhares de vezes só para ouvir a voz da mulher desejada e depois desligam, sem soltar um único suspiro apaixonado sequer. Desfalecem de amor por incríveis  72 horas! Depois? Vão se aquietando e... partem para outra (ou em alguns casos, outras). Simplesmente esquecem de toda aquela dor! E lá vão eles amar, amar e amar insandecidamente outras tantas vezes!

Admiro (de verdade) essa característica masculina. Ao que percebo, homens não se perdem nas rodovias dois anos depois de uma linda (?) história de amor, pensando em todas coisas que não foram e em tantas outras que poderiam ter sido. Admiro o fato dos homens não se preocuparem se os atuais parceiros de suas ex- quaisquer-coisas são parecidas com a She-Ra ou com o Munn- Rá... Para eles, as coisas simplesmente passam!

Sim, sim... Talvez alguns deles se lembrem de vez em quando daquela menina especial, daquele beijo, daquela cena e... principalmente: daquele sexo. Homens não lembram (com tanta frequencia) daquela roupa, daquela frase ou daquela música que tocava naquele dia em que transamos loucamente naquele carro que você pegou emprestado com seu primo. Essa é uma memória tipicamente feminina.

Mulher lembra até do que não viveu: lembra daquele dia em que você viria me buscar para irmos ao Municipal? O Teatro estava lindo aquele dia... Acabara de receber novas luzes. Era uma comédia ótima! Nós morremos de rir e depois de uma longa gargalhada quase compassada, quando houve aquela pequena pausa entre uma anedota e outra, nos olhamos com uma cumplicidade infinda. Não houve mais nada. Não ouvi mais ninguém. Só nossos olhos sorriram . Eu me lembro bem daquela noite...

São tantas as noites para lembrar! Quero declarar que amo solenemente aquele que me ama! Aqueles que por ventura lerem estas linhas, são se enganem que há em mim alguma dor por um amor perdido! Isso não há! Sou fiel ao homem que amo! O diabo é que minha memória feminina às vezes me trai, e eu vejo (quase clandestinamente) fantasmas através dos vidros do carro que cortam as Brs pelas queis trafego...

Leila, Leila! Me faça pecar!

Aprendi em criança a rejeitar os pecados e seguir tentando a santidade. De todas as tarefas que recebi até hoje, rumar para a santidade foi a mais árdua, chata, sem sentido, sem graça e insossa de todas. Decidi muito cedo assumir o halo que me serpenteia: nasci pecadora e pretendo assim morrer. Pecar me parece indispensável, já que minha escrita é a encarnação de meus pecados, e , ao mesmo tempo, minha confissão e absorvição.

É certo que há alguns pecados que tento evitar diariamente, sobretudo para manter alguma constância ou organização no pensamento: lanço fora (ou tento) a indolência. Ela fica ali, ao meu lado, diariamente enquanto penso - e penso como se estivesse escrevendo: isso faz de mim uma lunática tarada tomada pela vaidade (pecado que me fez sair da indolência do fim da tarde de sábado e escrever. Escrever desordenadamente sobre os pecados da escrita)

Minhas indignações sobre a vida vão se colocando em cada ponto e exclamação! Sigo pecando! Lá se vão representadas em personagens a maior das luxúrias, sem o menor pudor ou precaução; às vezes meus pecados não aparecem explícitos nos textos que escrevo, mas acontecem durante a escrita. Sim! Sinto muita inveja às vezes! Penso em Clarisse Lispector, em Martha Medeiros, em Elisa Lucinda, Ana Maria Machado... Que belas palavras têm todas estas mulheres! Como escrevem bem! Como são merecedoras de todo seu legado!

Este blog é um pecado: reflexo da minha preguiça. Esvaziado de mim e cheio de mim. Esvaziado pela inconstância de postagens e cheio na intensidade de meus sentimentos. Hoje é dia de preenchimento, de lotação e de transborde. Hoje este blog está lotado de um pecado muito bonito e esperançoso. Hoje este blog ( e esta blogueira) está muito vaidoso.

Pela primeira vez em muitos anos escrevendo percebi de verdade que minha escrita pode encontrar ideias, desejos, sonhos, carinhos e pecados de outros, que não aqueles meus amigos e irmãos de caminhada ( e que estes não me acusem de avarenta, por favor!) Hoje eu quero ser escritora quando crescer!

Quero escrever para Leila, que nem me conhece e que gosta de mim.
Quero dizer para Leila que ela me fez vaidosa; quero que ela saiba que esta vaidade me impulsiona e me acrescenta muitos elementos à escrita; quero dizer à ela que quando os originais do meu (nosso) livro estiverem prontos, enviarei a ela em primeira mão; quero que ela fique sabendo que haverá no livro uma dedicatória mais ou menos assim: "Para Leila, que me fez pecar e encarnar muitas destas palavras..."
Quero escrever para Leila e, escrevendo para ela, eu pretendo encontrar também as Marias, as Natálias, as Carolinas, Verônicas, Paulos, Flávios, Josés, Andreias, Lucianas, as Anas e as Claras - estas duas últimas, com uma certa urgência bastante peculiar...