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Florbela... Linda Florbela...

"E se um dia hei de ser pó, cinza e nada/ Que seja a minha noite uma alvorada,/ Que me saiba perder... pra me encontrar..."


Conselho:




Põe na caixa e guarda bem
A vida inteira que te resta
Conta o tempo que se tem,
E se esquive de toda festa.

Esqueça que a caixa existe!
Não faça planos que a inclua.
Não seja ela amor ou palpite
De paixão plena, feliz e nua.

Não! Não arrisques tua caixa,
Em jogos de amor e sedução.
Em volta dela, faça uma faixa:
Conteúdo selado pela razão.

Caso passe por ela, não a veja.
E quando a tocar, não a sinta.
Não lhe dê a quem te beija,
Não o faça a quem te minta.

Proteja tua caixinha do amor,
 - Este sentimento tão infame.
E o tempo resvalando, sem dor
Sem um que te odeie ou ame.

Mas agora ouça com atenção.
Escute o que minha avó dizia:
Conselho bom não tem razão,
É feito folha seca em ventania.

Quanta bobagem, minha gente!
Isso lá são conselhos que se dê?
Faz festa pro amor e ama contente!
Convida a vida, pra ela acontecer!

Clara Rohem.

Pausa para café.


O cheiro de café que vem da cozinha quase faz de minha tenda um lar. Cheguei a “nova casa” colocando apenas uma esteira no chão da sala, encontrando um lugar mais ou menos propício para as caixas de livros, enfiando cozinha adentro uma geladeira velha, um fogão cansado, um armário espaçoso para acomodar uma faca, quatro copos de plástico, seis pratos (dos quais um eu perdi numa feijoada) e alguns pouquíssimos talheres. O pequeno quarto até que ficou espaçoso para a cama, o guarda-roupas e a tábua de passar – que fica em pé feito um soldado da guarda inglesa, atrás da porta, sem emitir a menor expressão de coisa nenhuma, apenas impondo sua presença no ambiente.

No período da mudança fiz aquela seleção que sempre fazemos: isto quero, disso preciso, disso nem tanto, daquilo não mesmo.  E foi assim que ficaram pra trás uma TV, um guarda-roupa, uma cômoda, uma mesa de seis lugares e um sofá de canto gigante. Neste ínterim, as chuvas que castigaram o Rio de Janeiro fizeram-me desprender ainda mais de algumas coisas: e lá se foram um monte de quinquilharias úteis para cozinhar para amigos e pessoas queridas; roupas de cama, mesa e banho; agasalhos, sapatos e até bibelôs.

Deixei tudo o que era demais. Eu estava cheia. Transbordavam coisas das quais não precisava minimamente! Lembro-me de ter encontrado entre meus pertences um descaroçador de azeitonas. Deus! Pra quê eu precisava daquilo? Uma dezena de caixas porta-não-sei-quê, cada qual mais vazia que a outra... e os manuais que nunca li de eletroeletrônicos que há muito não existiam mais? Uma infinidade deles! Quanta coisa guardei sem nem me dar conta que estava guardando! De repente me dei conta que não eram só os objetos, mas as histórias que contavam (ou que silenciavam), o percurso, as sensações por trás de cada um deles que me enchiam. Era quase exatamente o que Drummond dizia sobre jogar fora tudo o que nos prende a um mundo de coisas tristes (quase exatamente porque quase nada era triste: muita coisa era apenas desnecessária para a nova fase e talvez o tivesse sido também – imperceptivelmente – para o estágio anterior).

De Drummond a Mogli e seu amigo urso (aquele do filme da Disney), fui cantarolando: “Necessário, somente o necessário, o necessário nessa vida é demais...” e fiquei 1) espaçosa, tanto quanto meu armário de cozinha, 2) comercial antigo do carro Fox: pequena por fora espaçosa por dentro. Conflituosa que sou comecei a perceber que preciso de alguns entulhos pra desalinhar as coisas de vez em quando. Não sou feita para as organizações. Elas me entediam profundamente. Ta! É legal saber onde está exatamente tudo, mas acho muito bom também quando em procura desesperada por um objeto, encontramos alguma coisa que perdemos há muito. Pode ser um bilhete, um brinco ou uma graninha no bolso d’alguma calça. Tanto faz! A gente sempre fica feliz.

Comecei a reavaliar o que é realmente (des) necessário. E olha eu atrás de novas quinquilharias só para poder cozinhar para amigos e pessoas queridas (mas o descaroçador de azeitonas continua fora da lista)! Olha eu atrás de edredon quentinho, toalhas felpudas e de bibelôs para acumular poeira pra eu limpar nos fins de semana e deixar a casa mais aconchegante!
E foi assim que hoje eu adquiri uma megasuperultrapower cafeteira! (que até então não tinha entrado na história, na minha história, porque até aqui nunca gostei de café!). De uma maneira meio doida, a lembrança do cheiro de café traz aconchego, acalanto, bem querer.

Assim que cheguei da rua, pus a menina pra funcionar. Liguei o computador e fiquei aqui pensando essas coisas todas. O pensamento original nem era esse: pensava nesse frio doido e doído; na voz que queria ter escutado este fim de semana e não ouvi; nas verdades explícitas no silêncio do toque do telefone... (é verdade... agora estou lembrando... queria escrever sobre as coisas que os silêncios contam...) Mas aí a cafeteira começou a borbulhar e o telefone tocou dando ótimas notícias de meu pai e minha irmã, lá no litoral. Não era a voz que tanto esperei, mas eram vozes aromáticas. Tinham cheiro, sabor e temperatura...

Quando o cheiro do café enfim invadiu o quarto, comecei a pensar e a escrever essas coisas, sem a menor importância acadêmica ou intelectual (ah, sim, porque escrever sobre as coisas que os silêncios contam poderia ter alguma imbricação com o tema de minha monografia... poderia... quem sabe?). Poderia ter rascunhado um monte de coisas sobre meu TCC ou sobre uns projetos, mas o cheiro de café que veio da cozinha... Ah! Só me fez pensar nesse monte de nadismo!

Acabo de colocar mais um pouco de café na xícara para fazer uma pausa e reler tudo o que rabisquei até aqui. ***************************************************

É melhor deixar que a pausa seja ponto final.