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Florbela... Linda Florbela...

"E se um dia hei de ser pó, cinza e nada/ Que seja a minha noite uma alvorada,/ Que me saiba perder... pra me encontrar..."

Algumas coisas para fazer


Algumas coisas para fazer.

“Escrever um livro;

Ter um filho;

Plantar uma árvore”

Não comecemos pelo verbo,

Nem precipitemos

O fruto ao caroço:

Façamos em terra fértil

Um pequenino buraco -

Com muito cuidado,

Para que a terra não seja

Por demais ferida.

Coloquemos algumas sementes,

Façamos a dança da chuva

E comecemos pela árvore:

Plantemos dez em nosso quintal

E não cortemos nenhuma!

Desfrutemos de suas sombras,

Flores e frutos – caso tenham.

Sentemos em seus galhos,

Levemos tombos,

Gargalhemos até não poder mais!

No mais, escrevamos páginas

E mais páginas de nossa história

Encostados em seu tronco,

Nos dias de domingo e

Nas manhãs de outono,

Até que se transformem num livro

Que relate em detalhes

As pequenas coisas importantes,

Simples e felizes

Que nos fazem bem.

Que ao final do outono

E das tardes de domingo

Este livro só tenha palavras.

Não tentemos ilustrá-lo

Para não nos preocuparmos

Com a perfeição dos riscos

E com a combinação das cores!

Entreguemos a caixa de giz

Às crianças,

Que a esta altura

Já correm livres e descalças

Pela grama.

Deixemos que elas

Ilustrem nossa história

E que dêem suas cores

A nossa vida.

Então suspiremos sossegados

Num dia ensolarado qualquer,

À sombra de uma velha árvore:

Missão cumprida!

Clara Rohem.

Mar... Ah! O mar...



Antes do mar, era céu
com lua, luz e clarão.
Depois virou areia de tempo
e a saudade esparramou-se,
feito estrela, na palma da mão.

Lá vai ela!


Lá vai ela!

Correndo descalça
na grama, na lama
sentindo o chão,
brincando de lua
na chuva fininha
que deixa poeira
na palma da mão.

Vai catando estrelas
fazendo caminhos
de sonhos sem fim,
na ponta dos pés
vai rodando
imitando faceira
funkeira e arlequim.

Lá vai a menina contente
percorrer a Chatuba
e Cidade de Deus
gritando e mostrando
pra gente
a sonora alegria
dos sorrisos teus.

Se a vida lhe prega uma peça
E sem mais por que
leva seu bem
e lhe deixa saudade,
lá vai a menina aprender
a aparar estrelas
de infelicidade.

E vai de passo em tropeço
de folha em flor
Beija-flor em alecrim,
vai a menina ensinando
criança e adulto
tirar do casulo
borboleta e jasmim!

Perdeu algo, bailarina?


O que procuras, bailarina?

Sapatilhas novas?

Novo chão?

Queres um palco novo?

Um novo giro?

Uma nova canção?


A bailarina teve mansidão

e ergueu-se nas pontas dos pés.

Levantou o pescoço,

esticou os braços.

Dobrou os cotovelos:

deixou-se contando em dez.


O que te incomoda, bailarina?

O peso do corpo?

A calosidade nos pés?

O vazio da primeira fila?

As luzes agora apagadas,

ou saber qual é sua sina?


A bailarina então teve pesares,

mas teve dedos de agüentar:

sustentou mais uma vez o pescoço,

erguendo cabeça, alma e olhar.

Mirando do fundo o moço,

Pôs-se outra vez a girar.


Por que não danças, bailarina?

Por que teu brilho tão ausente?

Não te dou corda?

Abrigo?

Companhia?

Presente?


A bailarina teve dores de amar.

Teve ternuras e uma lágrima se fez

e como se espiasse a vida do alto do céu,

como se soubesse de onde saltar,

fechou a cortina, refez seu papel:

mais um grand plié para terminar.


Diz-me, linda bailarina:

Por que não danças para mim?

Acaso não te mimo?

Não te cuido?

Não te dou jóias

e caixinha de marfim?


A bailarina teve tempo: temps Levé!

A vida inteira em sua cabeça.

O mundo todo na ponta dos pés.

Não mais olhou o moço;

não mais ergueu a cabeça:

Nem mais um giro sequer de revés!


Qual a sensação, bailarina,

de ficar tão quieta,

aconchegada na palma da mão?

Não ouves bailarina, a melodia?

Do som da caixinha de marfim,

Se partindo no chão?


A bailarina teve suspiros e

tentou agarrar nos dedos do moço,

seus laços macios de fita cetim.

Num grand pas de chat,

encontrou os estilhaços

da caixinha de marfim.


Bela bailarina!

Pra onde vais agora?

Aonde posso te encontrar?

Te dou outra caixinha, bailarina.

Te dou sopro e vida...

não me faças mais chorar!


A bailarina teve nada!

Nem uma porcelana de reação!

Ficou ali, estilhaçada:


Era caco, era vento, era volta.

Era dança, era luz e canção.

Era moço, moleque, menino!

Era uma vez uma bailarina.

Era outra vez sua paixão!