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Florbela... Linda Florbela...

"E se um dia hei de ser pó, cinza e nada/ Que seja a minha noite uma alvorada,/ Que me saiba perder... pra me encontrar..."

Para começar, Otávio...

E se um dia me chegasse tão de repente como ventania confesso que não saberia como agir. Você já deve saber o quanto fico desajeitada e como pareço polvo diante do susto. Sem contar que não sei que roupa usar e pra que lado jogar o cabelo: nunca sei o que melhor te agrada, mesmo quando você quer discutir política e essas coisas de filosofia e literatura - que eu também gosto muito, mas que sempre deixo suas opiniões sobressaírem para não ferir seu brio masculino.
 
E também tem essa sua mania de sumir de repente, Otávio, e depois me ligar como se um mês não tivesse passado e tivéssemos mesmo nos encontrado ontem. (Acho que você se aproveita das minhas decisões e me acusa de não te levar a sério). Mas a verdade é que você também já encheu o saco destes relacionamentos que inevitavelmente se desgastam e desgastam e acabam em indiretas no facebook e na mudança do status daqueles que, há apenas um clique atrás, costumava ser um casal.

Ontem mesmo fui ver Ângelo - aquele que até semana passada era casado com minha melhor amiga. Por causa da separação ele anda muito estranho e sofrendo como se sofre, e bebendo como se bebe quando um casamento termina. Oras! Porque fui vê-lo? Por que tornei-me sua amiga também, Otávio! Ver Ângelo e Sabrina separados me faz ter um ódio mortal de você, Otávio - e sobre isso conversei ainda pouco com Sabrina, quando ela esteve aqui, bebendo como se bebe e chorando como se chora quando um casamento se acaba.
 
Então, Otávio, querido... sejamos sinceros e honestos e não criemos falsas expectativas: nós nada temos em comum, a não ser o amor por Almodóvar, a vontade de explodir o Brasil, de passear em Paraty e de comer batata frita no sábado de madrugada e, de mais a mais, quando Ângelo e Sabrina se separaram meu coração desistiu de você, Otávio. Sinto muito!
 
(E tem mais, Otávio. Tem mais: Você está aos berros dizendo que eu preciso de terapia, mas minha cabeça vai muito bem, obrigada. É O meu fígado já não aguenta mais você e mais essa separação.)

O Homem de Vidro


Hoje pela manhã enquanto dirigia pelo atordoante transito da Cidade Maravilhosa, ouvia música e pensava. Ia pensando que dirigir me provoca as mesmas sensações dos seis anos, quando aprendi a andar de bicicleta sem rodas auxiliares e sem mãos de pai equilibrando no banco. É a sensação de liberdade tomando o pensamento. Por falar novamente em pensamento, eis aí um grande problema: pensamentos-mágicos me acompanham. Diz-se de pensamentos-mágicos, segundo o dicionário de Bar da Língua Portuguesa Januzzi Teixeira: (Subst. Composto) 1- Aquilo que passa pela mente e não se pode controlar; 2- Pensamento geralmente indesejado sobre uma pessoa ou alguma coisa que você goste numa determinada situação. Ex: Em frente a minha casa mora uma senhora solitária. Para seguir o clichê, pode-se dizer que ela é uma senhora muito simpática e muito bondosa. A tal senhora é tão meiga e tão doce que até enjoa – Bom, este é o primeiro exemplo de pensamento-mágico dentro deste período da oração que agora organizo.
Mas a tal senhora, (dona de pelo menos uma dezena de cachorros – informação irrelevante para o que desejo contar realmente), hoje pela manhã veio puxar conversa quando nos esbarramos na fila da padaria. Começou com aquele papo de quem não tem nada pra dizer, mas que por motivos de carência maior prefere vencer a barreira do desassuntamento, buscando, aparentemente, uma temática comum entre as duas partes. Minha experiência em filas (e creio que a da maioria das pessoas) diz que nestes casos o assuntante classifica todos os seres como meteorologistas e começa com alguma observação sobre o tempo. No caso da minha vizinha: - Menina! Você viu a ventania desta madrugada? Nossa! Parecia que o mundo ia acabar! Cheguei a sair pra ver se minhas telhas estavam bem presas! Também, não dava mesmo pra dormir porque todos os cachorros da vizinhança ficaram bastante agitados. A sorte é que sou uma pessoa bastante religiosa: acendi uma vela, me peguei com meu santinho e fui rezando e bla blá blá blá... blá.... blá... ... .... blá.... b... lá.... á... á... .... ..... á .... ....... ........ á.
            Enquanto a vizinha falava, a voz dela foi sumindo, sumindo... sumiiiindo.... eu de repente pensei: - Cala a boca! O que me interessa o vento, o cachorro, a ceroula bege e furada no varal? Não! Não eram os cachorros da vizinhança latindo: eram os seus cachorros! Aliás: vá cuidar deles e.... Quando dei conta era minha vez de fazer o pedido. Aquele pensamento passou tão repentinamente como veio. Eu acho que sorri gentilmente para a Senhorinha Dona dos Cães que Latiram à Noite Por Causa do Vendaval, concordei com sua última frase e ofereci-lhe minha vez em tempo de ouvi-la dizer um grande “Obrigada e Vá Com Deus, Minha Filha. Se Precisar de Alguma Coisa Pode me Chamar...”
Mas é claro que o que me estimulou a escrever até aqui não foi, o que deve ser a misteriosa vida sexual da senhorinha simpática e bondosa que tenho no portão de frente (se bem que não posso negar que morro de curiosidade sobre a vida sexual das pessoas, sobretudo daquelas que são muito inteligentes, solitárias ou atarefadas, ou uma mistura de todas estas coisas) e, além do mais, ia mesmo falando de pensamentos, e, nem só de pensamentos-mágicos vive meu cérebro, mas também de todo devaneio tosco que surge através de uma cena vista atrás do vidro do carro que agora dirijo. Acho que é por isso que sinto falta de andar de ônibus às vezes. Fico mais livre para devanear quando sou carona ou passageira. Sinto-me realmente livre para pensar o que quiser, para inventar histórias para as personagens que passam em minha frente, como essa Senhorinha de Calça Xadrez que agora vejo.
São sete e meia da manhã. Está mais frio do que o habitual no mês de maio e mesmo assim Dona Iolanda (o nome que dei a Senhorinha da Calça Xadrez) já se levantou, se perfumou, vestiu seu mediano corpo já fragilizado pelo tempo com uma blusa marrom, sobrepondo um casaco de linha marfim; pôs também a calça em xadrez vermelho e mostrada combinando com um sapatinho de camurça avermelhado. Seus cabelos lisos e brancos estavam presos por dois grampinhos nas laterais, acima das orelhas, fazendo com que o corte Chanel marcasse ainda mais o rosto fino e suas maçãs ossudas. Ia pela rua elegantemente, segurando uma pequena bolsa presa ao antebraço esquerdo e arrastando um carrinho de feira pela mão direita.
Pude observar Dona Iolanda em tantos detalhes porque o transito da Praça Seca estava completamente parado, então, restava-me apenas observar, ouvir música, ser paciente e pensar. Alguma coisa em Dona Iolanda me precipitava. Havia algo em suas rugas me fazendo lembrar de mim aos setenta ou oitenta anos de idade. Só quando Dona Iolanda enfim venceu a travessia da larga rua rumo à praça, só quando passou bem em frente ao carro, só quando olhou por um segundo ou dois em meus olhos através daquele vidro esverdeado pude ver o que era.  Quando aquele olhar tremulo me atravessou, vi que o que me fazia ver a Senhora da Calça Xadrez e do Cabelo Chanel era o halo perdido. Era o olhar lânguido daqueles que vivem um grande amor na vida (e um grande amor só pode ser se for perdido, doído, amargurado).
Dona Iolanda tem um casamento feliz há 53 anos. Teve dez filhos, dezessete netos e quatro bisnetos. Dois de seus filhos faleceram e seu marido, o Senhor Lúcio, está bastante adoentado – complicações da velhice, minha menina. Depois dos oitenta fica difícil encontrar alguma simplicidade na vida! A simplicidade é para os jovens, querida. Foi o que Iolanda me disse a respeito do Sr. Lúcio naquela manhã. Mas eu sabia (de algum modo a Velha Xadrez me fez saber) que embora houvesse um amor semissecular entre ela e seu marido, aquele não era o maior amor de sua vida. Era com certeza, o maior em tempo de carteira assinada, mas (não tenho dúvidas), ela o trocaria (novamente) pelo pequeno tempo de experiência ao lado Hélio (mas desta vez trocaria à valer; trocaria mais que beijos e carícias ardentes: trocaria a vida segura e feliz oferecida por seu marido bancário por uma aventura de frio, sede e fome ao lado do vendedor, andarilho hippie Hélio).
A verdade é que no universo feminino não se reconhece como Grande Amor a tranquilidade da vida compartilhada, a alegria do cotidiano descortinado estação à estação nem tampouco a companhia na transposição das pequenas frustrações. Uma outra verdade é que agora meus pensamentos me fazem injusta. Talvez esta não seja uma verdade apenas feminina. Esta deve ser uma verdade do gênero humano. Deve ser bem verdade que a grande maioria de nós, entre homens e mulheres, reconhece para si como grandes amores apenas aquelas histórias que envolvem aventura, coragem, renúncias, turbulências e muitas sortes de tragédias. Tudo isso eu vi em Dona Iolanda e sei que, de tudo o que escrevi até aqui, esta é a maior mentira. Sei bem que vi atrás daquele vidro. Sei que não foi a velhinha que ia à feira.
Aquele olhar atravessou o vidro e me fuzilou não com historietas inventadas sobre qualquer desconhecido. Aquele olhar me consumiu aquela manhã por que era eu ali, indo à feira. Aquela senhora que parecia incapaz de cometer qualquer grande loucura na vida, aquela mulher de olhar tão morno, havia sim vivido um grande amor. Muito provavelmente não foi com Hélio, nem Lúcio, nem Joaquim. Mas é certo que ela viveu sua linda e inesquecível história de amor. Só as velhinhas lânguidas ou amarguradas viveram grandes histórias de amor – pelo menos só elas viveram as grandes histórias não vividas.
Isso tudo fui capaz de saber e somente estas percepções bastaram para que respeitasse aquela mulher da maneira como se respeitam aqueles que sobreviveram com honradez às grandes intempéries da vida. Haverá talvez um outro olhar sobre Iolanda. Haverá quem diga que se acovardou, que foi egoísta e que recebeu da vida o pagamento exato pela falta de coragem que infligiu a si mesmo; certamente dirão alguns que esta mulher nada mais é que uma farsa, fingindo felicidade ao lado do Sr. Hélio, coitado, tão inocente na ignorância dos amores escondidos por sua mulher. A mim cabe apenas admirá-la. Fico pensando: e quando for eu daquele lado do vidro? E quando for meu olhar a fuzilar outro alguém, numa manhã outonal qualquer? E quando, silenciosamente, contar para algum desconhecido que me apaixonei perdidamente diversas vezes? Saberão (por certo) que meu coração sempre foi um malandro incorrigível e que um dia, sem mais por que, sentiu a estranha necessidade (também) de acovardar-se. Encontrou uma inexplicável paz na inércia do amor eterno – daquele amor que não se reconhece como grande amor, como já teorizei anteriormente, mas que tem lá suas belezas dignas de serem cantadas em sonetos e no que gosto de chamar de “as mais belas fábulas para a juventude”: histórias cheias de ensinamento moral para uma vida duradoura, produtiva, estruturada e feliz. Por falar nisso, acho a felicidade um saco a maior parte do tempo. A felicidade é entediante! Penso que ela deve ser uma utopia e não um lugar aonde chegar realmente. Deve ser uma eterna procura: deve ser o desconforto e a ânsia que esta busca nos impõe. Para que ser feliz? O que a gente faz depois que é feliz? Aprende a tocar harpa e enche o mundo com nossos acordes felizes e sacais?
Lembro-me da declaração de meu pai assim que saí do altar: agora posso morrer! Tive a felicidade esperada de ver minha filha se casando. Estou muito feliz! Fiz tudo o que precisava fazer na vida. Não é que ele tem razão? Depois da felicidade completa, resta-nos morrer! Fazer o que nesta terra, minha gente, se não há nada mais pelo que buscar, pelo que esperar? Não gosto de me sentir plena em felicidade, porque quero viver. Paradoxalmente, pretendo empregar cada minuto precioso na agonia que se coloca na tal busca pela felicidade, que no universo feminino, significa-se muitas vezes pelas paixões delirantes que nos entorpecem vida afora.
Então estava eu morrendo de tédio na parte da história em que eu era feliz para sempre. Era um bocejo só, minha vida. Trabalho, casa, marido, filhos, almoços de domingo, despertador na segunda e tudo como uma vida feliz e segura regra. Tanta felicidade me deixou irrecuperavelmente infeliz e um dia eu bati a porta: tranquei toda felicidade em casa e fui para a tristeza (tão contente) do mundo. Comecei de novo: nova casa, novo desamor, novos lugares, novas companhias e, o mais esperado: uma nova busca pela felicidade. Sim, sim, sim. Sou uma insatisfeita! Eternamente insaciável. A mim aguarda o inferno, tamanhos são meus pecados. Talvez seja bem cabível: nunca soube dizer não aos meus apelos e por isso nunca me tornei uma pessoa melhor. Vou vivendo como posso, como sinto, como gosto e como o diabo quer.
Precisava me apaixonar novamente. Não poderia mais passear pela vida como quem vai pelo paraíso. Necessitava da roda gigante dos apaixonados, onde uma hora se vê tudo tão do alto e no minuto seguinte, já se está perto do chão. Foi aí que encontrei o Homem de vidro. Era de vidro mesmo, assim como lhes estou contando. Na verdade não lhes estou contando coisa alguma sobre mim. Venho toda esta narrativa, me escondendo atrás de um vidro, das histórias que digo de outros e de toda esta conversa sobre as infelicidades porque em verdade, não estou pronta para falar sobre este homem. As mãos estão frias, as idéias estáticas e, confesso, acendi um cigarro. Há meses me libertei deste vício, mas a simples lembrança de tudo o que foi associada a esta maldita necessidade de escrever trouxeram-me de volta a nicotina. Tudo bem. Seguirei sem culpas. Amanhã recomeço a abstinência. Por hora, acendo mais um cigarro, observo a fumaça e tento expelir de mim as espinhosas palavras que me perfuram as solas dos pés. Como poderia eu descrever um amor inventado de tal maneira que se torne tão real e intenso como fora vivido? Parca literatura esta minha, meu Deus! Faz-me envergonhar diante de todos os mestres que leio.            Busco consolo pensando que, talvez, a própria falta de palavras possa virginalmente ser relacionada a vergonha que lá no fundo, bem no fundo, sinto por ter-me deixado levar por um amor tão anunciadamente frágil, tão visivelmente degradável, tão mais dissolúvel que esta fumaça que agora é devolvida ao mundo por meus pulmões.
O homem e suas palavras eram fascinantes, estonteantes. Conhecíamos bem as palavras um do outro. Nossas palavras eram o que nos apaixonava. Passávamos horas em frente ao computador nos inventando, tecendo nossas personagens, tão perfeitas e imortais quanto aquelas contidas nas Mil e Uma Noites. Fui, indubitavelmente, sua Sherazade contando-lhe histórias que, durante um curto período, nos salvou da sobrevida entediante dos fatos comuns do cotidiano – que também tem lá suas belezas, mas que agora não me cabem como narrativa. Mas ele era um Homem de Vidro e deveria ter permanecido assim. Eu acaso posso ter sido também sua Mulher de Vidro, vá saber, e talvez, devesse também ter permanecido assim. Algumas coisas são para ser imutáveis, ou posso eu querer que o barro deixe ou tarde em ser barro? Tivesse eu sofrido menos, acaso me aconselhasse antes com Alberto Caeiro e não quisesse mudar a natureza das coisas...

Mas, ignorando conselhos, quis encontrá-lo. Quis transformá-lo em homem, sem a transparência do vidro e fui ao seu encontro. (Agora, além do cigarro, parece-me necessário uma pausa para café. A cafeína também tem lá seus mistérios curandeiros para palavras doentes). Resta-lhes saber apenas que só eu fui. Vi, sozinha, a linda lua cheia refletir sobre a Baía de Guanabara e também a vi descer majestosa sobre aquelas águas. Nenhum único aceno. Nenhuma única palavra. Nem pelo computador. Nunca mais. Ao amanhecer, o Homem de Vidro já havia se quebrado, mas os cacos eram todos meus. Nunca soube o que houve, mas fico cá com minhas suposições. Imagino que ele tenha se apaixonado somente pela escritora, enquanto eu já buscava a realidade presente na carne, no osso e em tudo mais que a humanidade nos impõe. Este é o fim. Mas se ao final de cada amor for necessário pesar cada um num jogo de erros, bem medido e bem pesado, a mim não coube nem homem real, nem homem de vidro: fico sozinha com minhas interrogações e faço como Dona Iolanda: retorno ao casamento feliz e previsível, que é a mea culpa que me resta. 
(imagem retirada de: reconditoregistro.blogspot.com -)




Luisa... doce Luisa.


Eu não conseguia dormir então fiquei olhando pra ela, tão doce, tão serena ( tão enorme), meu Deus! Enrolou daqui, enrolou de lá e acabou deitando em meu peito. Pediu que eu lembrasse de uma história da época em que ainda era careca! Nossa! Já faz muito tempo! Eu bem que tentei, mas não lembrava mais os detalhes. Perguntei se o cafuné bastava com uma metade de uma canção de ninar. Mas nem era bem uma canção: era um sussurro. Um amor suspirado, como quem anda ofegante de tanto amar. Ando mesmo. Ando arfando por ela. Ontem eu fiz uma oração e nem sabia bem o que pedir a Deus. Pedi então que ela seja sempre assim, essa explosão de cores, de coisas, de giros e risos; pedi que ela tenha amigos: os melhores do mundo; pedi que ela seja minha amiga pra sempre e que eu também lhe seja companheira, mesmo quando inevitavelmente, nos decepcionarmos; pedi a Deus que lhe providencie um peito bem aconchegante quando chegar a hora que não mais quiser o meu; Pedi-Lhe que cuide dela aonde eu não possa estar; e fiquei ali, pedindo por ela. Vez em quando ela ainda ri enquanto sonha. Acho graça e fico pensando: o que será que ela tá sonhando? Às vezes pela manhã ela me conta e aí eu rio também. Hoje acordei incrivelmente descansada e pensei: uma boa noite de sono nem sempre precisa ser dormida. Precisa é ser amada!

No Brasil dos estão no SPC: Menos o Renan!


No Brasil todos estão no SPC: menos o Renan.






Brasileiro já nasce sem crédito na praça. Também pudera: a todo o momento uma notícia mostra nossos enganos e incompetências ao mundo. Nas últimas semanas estamos batendo recorde: a criança negra expulsa da concessionária da BMW na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro; os ataques em Santa Catarina e nossa política inconsistente de fiscalização que deixou a dor da morte de 237 jovens em Santa Maria.

Mas não tem problema: por sorte já começaram as rodadas dos campeonatos estaduais de futebol. Já estamos vibrando por nossos times e flamejando suas bandeiras. Não nos esqueçamos também que na próxima sexta já é carnaval e o mundo verá, enfim, nossa capacidade de esquecer tudo o que começou dando errado neste início de 2013: todas as mazelas sócio-políticas? Que fiquem para depois dos festejos.

Não. Não somos tolos. Não a grande massa, como inúmeros intelectuais costumam dizer. Não acho que pensemos que o Brasil é o melhor país do mundo enquanto festejamos. Também não acho que devamos denegrir nossa imagem e tomarmos para nós a culpa de tudo de errado que acontece. O que acontece mesmo é que nos acostumamos a ser o país das exceções. A gente vibra – ou não vibra? – quando um moleque que passou a vida inteira descalço no morro consegue entrar pra uma Federal e cursar Engenharia?  A  gente vibra quando uma mãe solteira consegue abrir um restaurante e sustentar seus filhos;  a gente ocupa as páginas dos jornais quando um policial recusa receber dinheiro ilícito; quando alguém acha um paco de dinheiro e devolve ao dono; quando uma criança sobrevive a um desastre unicamente porque encontrou tratamento digno num hospital...

Então tá. Sem mais argumentações: então a culpa é nossa porque a gente se acostumou! A gente acha que o fracasso é um mal individual, afinal de contas, se Fulano, (tão pobrezinho, tadinho!) conseguiu, por que Beltrano não consegue? Todos os Fulanos deviam ser  a via de regra e só um Beltraninho ou outro, a exceção.

Ainda agora conversava com uns amigos sobre toda essa bandalheira que temos visto. Falávamos dos preconceitos e das atitudes que temos. Aliás: falávamos mesmo era das desigualdades e de nossas poucas atitudes. Uma amiga contou que há uns dias esteve numa loja. Queria comprar um sapato. Era uma loja chique de um shopping chique. Ela saíra do trabalho com uma sapatilha confortável para aguentar as duas horas que costumeiramente passa em pé por conta dos engarrafamentos; uma calça jeans simples; uma blusa também simples e uma mochila tão simples como os itens anteriores. Contou que entrou na loja mas não encontrou atendimento. Disse ainda que viu inúmeras mulheres bem arrumadas entrarem na loja e encontrarem atendimento prontamente. Minha amiga passou quarenta minutos na loja aguardando. Analisando quantos saltos foram atendidos na frente de sua s patilha e quantas escovas ganharam de seu rabo-de-cavalo...

Minha amiga é trabalhadora. Paga seus impostos e até onde eu sei, cumpre inclusive com suas obrigações sindicais, mas naquele dia, ela esteve no SPC.

O menino de sete anos expulso da loja da BMW, ainda está em fase de alfabetização, jogando vídeo-game e andando de bicicleta, mas também esteve no SPC.

Brasileiro exemplar mesmo é o nosso amigo Renan!

Homem de fibra, honesto! De inegáveis contribuições ao país! Sempre teve explicações convincentes ante as acusações infames da oposição! Brasileiro como poucos, nunca esteve negativado. Esta semana, merecidamente, ganhou um lugar de destaque no cenário da política desse país corrupto que temos visto! Viva Renan Calheiros! Nossa única salvação! Já em seu discurso de posse, ele falou de ética, de liberdade de expressão! Que grande homem, não? Aprendamos com ele, queridos brasileiros!  Miremo-nos no exemplo de Renan e entendamos que a todos nós que possuímos nomes sujos na praça, resta-nos apenas esconder nossos rostos e chorar de vergonha. E que vergonha, meu Deus! Que vergonha!

 

As mentiras que as fêmeas contam

Fico tentando, mas não consigo. É arbitrário. É doloroso. Eu não sei escrever longe de mim. Me perdoem a insistência. Sei que há indícios de que existem outros tantos assuntos ou se não, tantas outras óticas para as mesmas questões, mas eu? eu não. Faço sempre do mesmo jeito. São sempre os mesmos assuntos: a vida comum, o coração, o gato, o cachorro - peraí! sobre gatos eu nunca escrevi... mas é que há muito não tenho gatos. O último que tive chamava-se Branquinho e acho que seu nome dispensa descrições, não é mesmo?

Branquinho, magricela e preguiçoso, era filho do rajado e taludo Rafique. Viveram comigo uns cinco anos, quando ainda era adolescente. Admito que achava Rafique mais bonito, mas Branquinho era mais inteligente, mais que isso: era um carismático político - e por isso mesmo, sínico. Sabe aquela malemolência que só os gatos têm ao andar? Ele tinha em dobro. Vez em quando enquanto andava, dava uma meia parada e olhava discretamente para trás, miava com o canto da boca, sentava-se, lambia uma das patas e, calmamente, seguia seu trajeto - geralmente traçado até uma caixa de cerveja mais próxima onde pudesse se deitar. Passava muitas horas de seu dia dormindo sobre as tais caixas ou sobre as prateleiras do bar. Era lindo. Curioso é que não gostava das verdades. 

Era um gato que gostava de ouvir mentiras. Juro! amava a companhia dos pescadores que frequentavam o bar. Quanto maior a mentira, mais ele ronronava. Às vezes em dia de vacina eu o chamava e contava tudo: vamos ao veterinário Branquinho. Será só uma espetadinha e depois estaremos em casa... Ele sumia pra nunca mais. (Ele entendia tudo, juro de novo). Depois passei a dizer: vamos ao veterinário comer sardinha. Ele ia quietinho no bornal. Levava a espetadela e voltava pra dormir nas caixas, quieto, quieto. Eu dizia: hora do banho! Ele não voltava durante três dias. Aí eu dizia: pode deitar quietinho que eu vou só lavar roupa... Depois me aproximava. Acarinhava-lhe as orelhas e colocava-o debaixo da bica. Às vezes ele reclamava, mas nunca fugia ou atacava. Eu nunca mudava as falas. Era uma espécie de rotina: fazia tudo sempre igual. Ele sabia que mentia pra ele, mas mesmo assim, gostava de mim. 

Nunca fui capaz de entender porque ele não gostava das verdades. Seria tão melhor não ser enganado...
Eu queria que ele preferisse minhas verdades, mas com ele foi só na mentira! Parece que quanto mais mentira eu lhe contava, mais ele roçava entre minhas pernas; mais ele ronronava; mais ele afofava seu território perto de mim. E quando eu vinha com as verdades, ele sempre criava um casinho, ficava bravo e fugia.

Branquinho morreu há uns dez anos. Senti muito sua falta no começo mas depois acostumei a vida sem ele. Nunca mais tive gatos - peraí, peraí...tive uma tentativa frustrada de ter uma gata há dois anos atrás... dei-lhe o nome de La Belle de Jour, mas esta pode ser uma outra carta.

Tinha de fato esquecido que Branquinho um dia existiu e que preferiu as mentiras. Sempre preferi que as verdades me doessem como um belo soco no estômago do que as mentiras com sabor de tutti-fruti. Mas estou me convencendo que isso é mais do território das fêmeas. Machos em geral preferem as pequenas mentirinhas do cotidiano: preferem não saber quanto custou realmente o corte de cabelo; com que roupa você foi naquela festa que ele não pode te acompanhar porque estava trabalhando;preferem ignorar que foi você e não o manobrista do estacionamento que deixou aquele arranhão na porta do carro; que você estava num barzinho com as amigas que tinha música ao vivo e por isso não ouviu o celular tocar.
Machos gostam das mentiras que as fêmeas contam. Eles anseiam a mentira porque acham as verdades femininas absurdas! Fazem da verdade um soro anti-relacionamento. Afrodizíacas são as mentiras que os fazem dormir no Olimpo, mesmo quando estão apenas sobre prateleiras empoeiradas de um bar qualquer...

Poli Dance



Dispo-me!
Fico em pelo!
Arranco de mim
A casca
A cola
A coisa.
Grito e
Faço saber:
Eis-me nua
E sem espelhos!
Confusa
Em minhas curvas,
Descanso na
Flacidez dos pensamentos
E gozo na
Inconstância das
Certezas:
Na sensibilidade
Dos mamilos,
Reconheço-me
Nas pequenas coisas.

Eu também me chamo Joyce.

Não vou passar nenhum tempo justificando o que não se pode. O que? Quantos meses se passaram desde a última postagem? Dois? Três? Talvez uns cinco, sei lá.  No fim, quase tanto faz. Quase porque há um incômodo em saber que alguns amigos visitam esta página esperando por mim e a este fato não posso ser indiferente. Mas esta crônica nem era sobre isso. Era e não era. Era sobre retratação, mas não exatamente esta.
Recentemente trabalhei nuns contos para um concurso literário que por hora jaz nas mãos dos juízes. Num destes contos trazia à tona, tuteladas pela personagem Joyce, algumas frustrações que podemos acumular ao longo da vida, principalmente na infância. O conto intitulado “Joyce, eu te odeio”, narrava pequenas disputas infantis que jamais puderam ser esquecidas, que marcaram profundamente uma das partes, gerando uma infinidade de sentimentos não muito ponderados, digamos.
O fato é que eu tive sim algumas Joyces em minha vida. Creio que todos nós tivemos. Temos. Joyces no trabalho, na faculdade, na academia, na família. Aquelas que te alfinetam, que lhes fazem idiotas ou que simplesmente, ignoram. Te humilham por causa da sua roupa; te excluem porque você não tem o sapato da moda; Fingem que você não existe na hora do café ou são sempre vozes de oposição nas reuniões. Aí você odeia aquela Joyce. Não há motivos algum pra que ela faça tudo aquilo: ela simplesmente faz.
Quando escrevi aquele conto, eu só sabia que existia aquela Joyce. Ela era má e ponto. Fazia e sabia que estava fazendo. A Joyce deveria morrer e ser cuspida no caixão. Sem dó para a Joyce! Que se exploda! Que vá aos quintos, aquela... aquela... criatura dos infernos!
Mas quando eu desejei tudo isso, eu não sabia que eu também era Joyce. Sim meus amigos: eu alfinetei, espezinhei, tripudiei e feri de (quase) morte uma pessoa. Mas pasmem: eu nem sabia. Eu fui a Joyce de alguém durante anos e não sabia. Juro. Soube a pouco porque todos souberam. Depois de um diagnosticado surto pós-traumático, ela declarou tudo o que eu lhe fiz. Na verdade, na verdade, eu não fiz nada de real – é uma defesa tosca, mas é verdade. Fomos muito próximas um dia, mas acabamos nos afastando – reconheço que por uma maior intolerância de minha parte à algumas atitudes que considerava muito imaturas.  Assim ela acha que eu “roubei” dela algumas amizades, que eu invadi seu espaço profissional, que eu nunca me preocupei com ela, etc, etc, etc.
Logicamente que me considero inocente de todas estas acusações, mas esta inocência que me atribuo, não me livra de ser sua Joyce. Ela realmente acredita que eu lhe fiz tudo isso. Deve inclusive achar que passei noites em claro pensando no que fazer para entristecê-la ainda mais. E por ela acreditar nisso, isso já se torna real e isso já me faz Joyce. É estranho ser a Joyce de alguém. É como deixar claro o meu lado cruel. É me dar conta que a crueldade também mora em mim.
Mas o mais estranho é ter de considerar que talvez, aquela pessoa, aquela infeliz pessoa que te azucrina a vida, nem sempre o faz de forma conspiratória. Talvez, sei lá, ela só esteja vacilando. É Joyce porque vacilou. Pior do que isso é pensar que talvez todas as nossas Joyces sejamos nós mesmos, apenas projetadas em outros para amenizar a dor da descoberta do que somos capazes de sentir, fazer ou pensar. Pior é ter de perdoar as Joyces da minha infância; pior é considerar que muito provavelmente elas nunca existiram; Pior é olhar no espelho e  me saber Joyce; pior é ter que dormir o sono eterno com um cuspe na testa e ter de levar calmamente minha alma aos quintos, que é o lugar onde soberanamente destinei às Joyces, não sabendo ainda que eu também sou uma delas.