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Florbela... Linda Florbela...

"E se um dia hei de ser pó, cinza e nada/ Que seja a minha noite uma alvorada,/ Que me saiba perder... pra me encontrar..."

Vesguice


Quando criança levaram-me ao médico que era pra eu deixar de ser vesga. O médico disse que um tal de estrabismo punha defeito na maneira como eu via as coisas. Daí me obrigaram a aprender a ver. Era pra eu fazer força pra enxergar o mundo de maneira correta. Eu tinha de fazer muita força pra não ver as coisas multiplicadas, ou tortas, ou embaçadas, engraçadas, incertas. Comecei a fazer força, mas aí o mundo ficou sem graça demais. Desisti de forçar e fiquei vesga mesmo.

Um pouco de pimenta


Perder-me em teus olhos
Sedentos e convidativos
A longas galopadas
Madrugada afora
Para encontra-me depois
Impudorosamente,
Nas covas de teu sorriso,
Extasiado pelo almíscar,
Que impregna os corpos
Que segundos atrás galoparam
Voluptuosamente,
Entre selvas e retinas
Desejosas de amor.

Nós não somos supersticiosos...

O circo


Põe os olhos
No mundo.

Descortina
Retina
E lona de circo!

Nem picadeiro,
Nem palhaço:
Menina.

E lá vai ela
Toda enfeitada
Se exibindo
(Envergonhada)
Com medo
De cair

A Menina dos olhos
Com lágrimas
Trapezistas
Fotografa os cachos
Da criança tagarela
Que achando graça,
Se vai.

E no sorriso da criança,
Desconcentra-se.
Escorrega.

Agarra-se aos cílios
E faz das pálpebras
Contenção.

Num desencontro
De movimentos,
A Menina solta
As lágrimas
E as observa
Muito lentamente,
Encontrarem o chão.

Nem Menina
Nem trapézio:
Fecha as cortinas
E pelas retinas
Enxerga
(embaçado)
O mundo

* A  foto é da amiga trapezista (linda) Graci que, mundo afora, encanta com sua graciosidade e malabarismos. O poema é pra uma certa criança tagarela que sempre faz lágrimas trapezistas escorregarem da Menina de meus olhos...
É na boca que eu sinto o mundo
e na saliva que vou sorvendo a vida,
sentindo o doce da chuva,
o amargo do medo
e o acre da paixão.
A vida se faz na boca,
enquanto a língua cata pelos cantos
tudo o que lhe apetece e sobeja.
Com os lábios,
aprendo tudo o que lhe é suor
e percorro tuas fontes,
até que eu seja a saliva
e te umedeça
e te dissolva
e te seja riso,
suor e gozo.