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Florbela... Linda Florbela...

"E se um dia hei de ser pó, cinza e nada/ Que seja a minha noite uma alvorada,/ Que me saiba perder... pra me encontrar..."

As mentiras que as fêmeas contam

Fico tentando, mas não consigo. É arbitrário. É doloroso. Eu não sei escrever longe de mim. Me perdoem a insistência. Sei que há indícios de que existem outros tantos assuntos ou se não, tantas outras óticas para as mesmas questões, mas eu? eu não. Faço sempre do mesmo jeito. São sempre os mesmos assuntos: a vida comum, o coração, o gato, o cachorro - peraí! sobre gatos eu nunca escrevi... mas é que há muito não tenho gatos. O último que tive chamava-se Branquinho e acho que seu nome dispensa descrições, não é mesmo?

Branquinho, magricela e preguiçoso, era filho do rajado e taludo Rafique. Viveram comigo uns cinco anos, quando ainda era adolescente. Admito que achava Rafique mais bonito, mas Branquinho era mais inteligente, mais que isso: era um carismático político - e por isso mesmo, sínico. Sabe aquela malemolência que só os gatos têm ao andar? Ele tinha em dobro. Vez em quando enquanto andava, dava uma meia parada e olhava discretamente para trás, miava com o canto da boca, sentava-se, lambia uma das patas e, calmamente, seguia seu trajeto - geralmente traçado até uma caixa de cerveja mais próxima onde pudesse se deitar. Passava muitas horas de seu dia dormindo sobre as tais caixas ou sobre as prateleiras do bar. Era lindo. Curioso é que não gostava das verdades. 

Era um gato que gostava de ouvir mentiras. Juro! amava a companhia dos pescadores que frequentavam o bar. Quanto maior a mentira, mais ele ronronava. Às vezes em dia de vacina eu o chamava e contava tudo: vamos ao veterinário Branquinho. Será só uma espetadinha e depois estaremos em casa... Ele sumia pra nunca mais. (Ele entendia tudo, juro de novo). Depois passei a dizer: vamos ao veterinário comer sardinha. Ele ia quietinho no bornal. Levava a espetadela e voltava pra dormir nas caixas, quieto, quieto. Eu dizia: hora do banho! Ele não voltava durante três dias. Aí eu dizia: pode deitar quietinho que eu vou só lavar roupa... Depois me aproximava. Acarinhava-lhe as orelhas e colocava-o debaixo da bica. Às vezes ele reclamava, mas nunca fugia ou atacava. Eu nunca mudava as falas. Era uma espécie de rotina: fazia tudo sempre igual. Ele sabia que mentia pra ele, mas mesmo assim, gostava de mim. 

Nunca fui capaz de entender porque ele não gostava das verdades. Seria tão melhor não ser enganado...
Eu queria que ele preferisse minhas verdades, mas com ele foi só na mentira! Parece que quanto mais mentira eu lhe contava, mais ele roçava entre minhas pernas; mais ele ronronava; mais ele afofava seu território perto de mim. E quando eu vinha com as verdades, ele sempre criava um casinho, ficava bravo e fugia.

Branquinho morreu há uns dez anos. Senti muito sua falta no começo mas depois acostumei a vida sem ele. Nunca mais tive gatos - peraí, peraí...tive uma tentativa frustrada de ter uma gata há dois anos atrás... dei-lhe o nome de La Belle de Jour, mas esta pode ser uma outra carta.

Tinha de fato esquecido que Branquinho um dia existiu e que preferiu as mentiras. Sempre preferi que as verdades me doessem como um belo soco no estômago do que as mentiras com sabor de tutti-fruti. Mas estou me convencendo que isso é mais do território das fêmeas. Machos em geral preferem as pequenas mentirinhas do cotidiano: preferem não saber quanto custou realmente o corte de cabelo; com que roupa você foi naquela festa que ele não pode te acompanhar porque estava trabalhando;preferem ignorar que foi você e não o manobrista do estacionamento que deixou aquele arranhão na porta do carro; que você estava num barzinho com as amigas que tinha música ao vivo e por isso não ouviu o celular tocar.
Machos gostam das mentiras que as fêmeas contam. Eles anseiam a mentira porque acham as verdades femininas absurdas! Fazem da verdade um soro anti-relacionamento. Afrodizíacas são as mentiras que os fazem dormir no Olimpo, mesmo quando estão apenas sobre prateleiras empoeiradas de um bar qualquer...

1 comentários:

Patrícia Macedo disse...

Por que você faz essas coisas comigo cara?! Tu escreveu exatamente coisas que eu passei o dia todo pensando, serinho! Lindo, como todos os seus textos que já li!

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