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Florbela... Linda Florbela...

"E se um dia hei de ser pó, cinza e nada/ Que seja a minha noite uma alvorada,/ Que me saiba perder... pra me encontrar..."

Poli Dance



Dispo-me!
Fico em pelo!
Arranco de mim
A casca
A cola
A coisa.
Grito e
Faço saber:
Eis-me nua
E sem espelhos!
Confusa
Em minhas curvas,
Descanso na
Flacidez dos pensamentos
E gozo na
Inconstância das
Certezas:
Na sensibilidade
Dos mamilos,
Reconheço-me
Nas pequenas coisas.

Eu também me chamo Joyce.

Não vou passar nenhum tempo justificando o que não se pode. O que? Quantos meses se passaram desde a última postagem? Dois? Três? Talvez uns cinco, sei lá.  No fim, quase tanto faz. Quase porque há um incômodo em saber que alguns amigos visitam esta página esperando por mim e a este fato não posso ser indiferente. Mas esta crônica nem era sobre isso. Era e não era. Era sobre retratação, mas não exatamente esta.
Recentemente trabalhei nuns contos para um concurso literário que por hora jaz nas mãos dos juízes. Num destes contos trazia à tona, tuteladas pela personagem Joyce, algumas frustrações que podemos acumular ao longo da vida, principalmente na infância. O conto intitulado “Joyce, eu te odeio”, narrava pequenas disputas infantis que jamais puderam ser esquecidas, que marcaram profundamente uma das partes, gerando uma infinidade de sentimentos não muito ponderados, digamos.
O fato é que eu tive sim algumas Joyces em minha vida. Creio que todos nós tivemos. Temos. Joyces no trabalho, na faculdade, na academia, na família. Aquelas que te alfinetam, que lhes fazem idiotas ou que simplesmente, ignoram. Te humilham por causa da sua roupa; te excluem porque você não tem o sapato da moda; Fingem que você não existe na hora do café ou são sempre vozes de oposição nas reuniões. Aí você odeia aquela Joyce. Não há motivos algum pra que ela faça tudo aquilo: ela simplesmente faz.
Quando escrevi aquele conto, eu só sabia que existia aquela Joyce. Ela era má e ponto. Fazia e sabia que estava fazendo. A Joyce deveria morrer e ser cuspida no caixão. Sem dó para a Joyce! Que se exploda! Que vá aos quintos, aquela... aquela... criatura dos infernos!
Mas quando eu desejei tudo isso, eu não sabia que eu também era Joyce. Sim meus amigos: eu alfinetei, espezinhei, tripudiei e feri de (quase) morte uma pessoa. Mas pasmem: eu nem sabia. Eu fui a Joyce de alguém durante anos e não sabia. Juro. Soube a pouco porque todos souberam. Depois de um diagnosticado surto pós-traumático, ela declarou tudo o que eu lhe fiz. Na verdade, na verdade, eu não fiz nada de real – é uma defesa tosca, mas é verdade. Fomos muito próximas um dia, mas acabamos nos afastando – reconheço que por uma maior intolerância de minha parte à algumas atitudes que considerava muito imaturas.  Assim ela acha que eu “roubei” dela algumas amizades, que eu invadi seu espaço profissional, que eu nunca me preocupei com ela, etc, etc, etc.
Logicamente que me considero inocente de todas estas acusações, mas esta inocência que me atribuo, não me livra de ser sua Joyce. Ela realmente acredita que eu lhe fiz tudo isso. Deve inclusive achar que passei noites em claro pensando no que fazer para entristecê-la ainda mais. E por ela acreditar nisso, isso já se torna real e isso já me faz Joyce. É estranho ser a Joyce de alguém. É como deixar claro o meu lado cruel. É me dar conta que a crueldade também mora em mim.
Mas o mais estranho é ter de considerar que talvez, aquela pessoa, aquela infeliz pessoa que te azucrina a vida, nem sempre o faz de forma conspiratória. Talvez, sei lá, ela só esteja vacilando. É Joyce porque vacilou. Pior do que isso é pensar que talvez todas as nossas Joyces sejamos nós mesmos, apenas projetadas em outros para amenizar a dor da descoberta do que somos capazes de sentir, fazer ou pensar. Pior é ter de perdoar as Joyces da minha infância; pior é considerar que muito provavelmente elas nunca existiram; Pior é olhar no espelho e  me saber Joyce; pior é ter que dormir o sono eterno com um cuspe na testa e ter de levar calmamente minha alma aos quintos, que é o lugar onde soberanamente destinei às Joyces, não sabendo ainda que eu também sou uma delas.