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Florbela... Linda Florbela...

"E se um dia hei de ser pó, cinza e nada/ Que seja a minha noite uma alvorada,/ Que me saiba perder... pra me encontrar..."

Tão ocos quanto um ovo furado


Uma das imagens de minha infância mais presentes na memória até hoje são as viagens de férias que fazíamos à casa de minha avó Dila. Morava no interiorzão do Rio e arrastava num jeito mineiro a fala e as delícias culinárias, de modo que, quando íamos subindo a ladeira de paralelepípedos irregulares, meu pai já começava a salivar: Hum... o ovinho cozido da Dona Dila! Oba!
Quando chegávamos enfim, depois de  cinco ou seis horas de viagem, Dona Dila estava lá, com a água fervendo, abraçando a todos e chorando de felicidade. Mal despejávamos as tralhas e ela punha seu filhinho sentado, mergulhava o ovo na água fervendo por um minuto, retirava-o, fazia um pequeno furo numa das extremidades, punha um pouquinho de sal, entregava-o ao meu pai com um palito de dente e ordenava: Bebe que você tá muito magrinho, meu filho. Precisa se alimentar, pra dar conta dos filhos.
Papai então mexia o conteúdo do ovo com o palitinho e bebia aquilo tudo, com uma felicidade que nunca fui capaz de entender. Segundos depois estava o ovo oco, oco, abandonado sobre a bancada da pia de cozinha. Eu lavava a casquinha e pegava para desenhar. Achava bonito, bonito. Depois ficava exibindo como uma obra de arte que eu criara com os restos que os outros achavam que não servia para mais nada.
Hoje acordei pensando nisso porque andei acumulando umas inquietações sobre a minha geração. Pobre e perdida geração, sem título e sem causa! Meu Deus! Eu mesma fico chocada por declarar uma coisa dessas! parece uma posição tão retrógrada e preconceituosa! Estamos num tempo em que não buscamos outra coisa senão comemorar incessantemente a conquista da velha juventude à liberdade de expressão. E Comemoramos nossa liberdade (vejam vocês) sem grandes expressões, no marasmo das monossílabas proferidas em nossas extraordinárias reuniões a céu aberto, regadas a muita cerveja, Absolut, Red isso e aquilo, Vodka,Vodka e mais Vodka (isso para não entrar no mérito dos alucinógenos da moda...) 
Imaginem que esta semana na faculdade o assunto dos estudantes revolucionários era a mobilização de um Foranãoseiquem. O logo da campanha utilizava o "F" do facebook como marca registrada da nossa infinita criatividade e do local de onde tiramos os instrumentos políticos para a luta que conclamamos! Oras, não me incomodo que já comecem os julgamentos pelo o que estou escrevendo. Há de se correr algum risco quando se expõe uma opinião, mas vamos lá, deixem que eu explique. Não vejo nada de errado em frequentar uma (ou várias) rede social. É parte do nosso tempo (Graças aos céus!). É uma ferramenta e tanta, além de ser também uma ótima fonte de distração e entretenimento, tudo reunido num local bem definido da internet. Também não há problema algum em manisfestar insatisfação contra o poder estabelecido. (Dessa segunda parte, na verdade, gosto muito). Então o que poderia ser, meu Deus do Céu?
O que fico me perguntando é o que teria acontecido se Tche Guevara tivesse passado metade de seus dias, todos os dias, jogando bola no campinho de futebol de Rosário. Como ele chamaria seus amigos para a luta? O que ele saberia efetivamente sobre Perón? Está certo. Voltemos à nossa realidade, mas é preciso se libertar do passado e parar de glorificar os estudantes de 64 e parar de falar deste período como o tempo ouro de nossa jovialidade. Também eram jovens. Agiam como jovens. Haveria também entre eles a turma dos pseudos revolucionários, reunidos em bares, esbravejando apoio ao Vietnã e fazendo careta para os Estados Unidos. Mas e o restante? O que faziam?
Creio que encontravam seus heróis e buscavam ideais bem definidos. Mais que isso. Eram heróis de si mesmo. Então chegamos ao ponto máximo de minha angústia matinal:  Por onde andará o Super-man de minha geração? Joana D'arc? Dart Vader! Até Jesus já foi descruscificado! Dirão alguns que tudo isso é bom e faz sentido. Não há UM entre nós, porque todos precismos ser. Particularmente sinto falta. E é estranho porque é uma falta de um não-viver. Onde estão os tabloides escritos com nossa empáfia jovial? Megafones mudos. O que fizemos com a filosofia, a política e a literatura? Onde é que as enterramos? Em que quintal? 
Mas queremos lutar, brigar, fazer revolução. Vamos então à luta, tão ocos quanto o que sobrava do ovo oferecido por minha avó ao meu pai... casca, fina e frágil casca. Meu pai não é assim tão velho e também nada fez de grandioso em sua juventude. Contudo, cresceu numa época em que aprendeu a beber o conteúdo, a se fortalecer dele. Ao que parece, eu e minha geração, ao contrário, acostumamo-nos a pintar a casca do que foi consumido por outros até a última gota e exibi-la como se fôssemos nós os bebedores de seu conteúdo. Minha geração é tão oca quanto um ovo furado. E eu também nada faço a respeito. Apenas coloco-me a parte. Escrevo, vez em quando, meia dúzia de palavras e eis aí minha grande revolução!  Que coisa, meu Deus! Que coisa!