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Florbela... Linda Florbela...

"E se um dia hei de ser pó, cinza e nada/ Que seja a minha noite uma alvorada,/ Que me saiba perder... pra me encontrar..."

Necessidade


E se eu precisar sair sem dizer adeus, deixe que eu vá sem dramas! Não me chame, não espere que eu olhe para trás, não me grite! Não me faça gritar! Não pense que n'algum momento eu abandonarei as malas na esquina e correrei de volta aos teus braços, ansiando teu colo e teus afagos. Não! Esta não sou eu.

Buscarei outro destino, ainda que seguindo a mesma estrada. Contudo, não importa: a estrada é a mesma, mas a maneira de seguir é outra, é tênue, é solitária. Não te apavores com última frase porque a solidão não me maltrata: me é necessária e na maioria das vezes, feliz. E quando a solidão for um fardo (se um dia assim acontecer), buscarei outros ombros, outros conselhos, outras companhias, desejos, amizades.

Falando sobre isso ainda ontem, uma amiga me disse admirar porque sou bem resolvida e prática. Sabe aquela coisa de perceber que é hora de mudar e tentar sem medo? Ela disse que eu sou assim. Bom. Não disse que não sou, mas sei que não sou.
A determinação (e de certo modo a anunciação) de mudança não extingue por si os medos, as angústias. A percepção de que é fim de linha num determinado ponto do trajeto não torna menos dolorosa a decisão de seguir por outras ruas, vielas e túneis. Tudo isso não me torna mais forte (nem mais fraca, admito). Todas essas coisas só são pelo próprio instinto animal de sobrevivência. E todo o resto é só o que sobra.

Mas se um dia fosse você a sair sem dizer adeus numa tarde de domingo?
E se fosse você, sem escolha, sem rumo, sem olhar para trás, sem abandonar as pesadas malas na esquina e sem recorrer ao meu colo por mais uma noite? Mas e se você me pedisse companhia para a última embriaguês, para a última discussão filosófica sobre Deus e as sacanagens que não entendemos? Se me pedisse pra dirigir em alta velocidade até aquela praia tão escondida aos pés do Cristo? E se me pedisse para fazermos sexo ardente e perigosamente pelas ruas do Rio de Janeiro? E se me chamasse para ir à casa de todas aquelas patricinhas chatas e infantis e dizer à elas todas as nossas verdades chocantes sobre elas e o mundo? E se quisesse um ar de loucura em seu último dia?

Todas essas coisas eu faria.

Se você me disser que vai partir e que não há mais nada que possamos fazer, eu largo minhas malas e fico mais um pouco.Você sabe que sim. Eu sigo calada ao teu lado. Posso ser a sua solidão, se é assim que te agradas. E quando minha solidão também te for insuportável, quando houver só desespero, abro os braços pra você, te cuido, te afago e te invento um deus novinho em folha para renovar as esperanças.

Tão jovem que és, anuncia que é chegada a dolorosa hora de partir... Lido mal com as idas, com as perdas... sabes disso. Preferiria ir antes e realizar com lágrimas nos olhos toda aquela cena do primeiro parágrafo. Mas não sou assim. Sou antes de tudo aquela que precisa esperar; aquela que entende que a amizade e o amor só podem ser pelo o exercício de ficar, quando tudo o que mais se quer, é partir...