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Florbela... Linda Florbela...

"E se um dia hei de ser pó, cinza e nada/ Que seja a minha noite uma alvorada,/ Que me saiba perder... pra me encontrar..."

Mas é preciso cultivar maçãs...



O começo desta história é um clichê, mas é verdade. A gente passa a vida cuidando para que a macieira dê bons frutos e, no melhor do pomar, vem um e leva a maçã mais bonita, a mais suculenta, a mais vermelhinha de todas.

Planto minhas maçãs num lugar (aos olhos de muitos) quase infrutífero. O clima é sempre quente, não exatamente pelas condições geográficas, mas principalmente pela ação dos homens.Todos os dias, o mesmo trabalho: arar a terra, futucá-la com carinho, por as sementes, nutrí-las, aguá-las, observá-las com cuidado para espantar toda sorte de peste (e vou te dizer que peste é o que mais tem!).

É claro que não planto maçãs sozinha: o trabalho é árduo demais. É necessário muitas mãos para puxar o arado. A mão que mais afofa a terra junto a minha, hoje machucou-se. Eu também fiquei ferida por tabela (indignada, até!). Trabalhamos de sol-a-sol durante todo o ano (como a maioria das pessoas) e este era nosso momento de colheita e sombra!

Há algumas horas atrás meu telefone tocou. Do outro lado, a mão trêmula anunciava que o fruto de seu trabalho anual fora roubado com violência, estupidez e crueldade. A casa invadida, revólver na cabeça, todo terror psicológico imaginável e a ameaça quase concretizada de levarem um de seus bens mais preciosos: uma criança de um ano de idade.

Eu cá, perplexa, chateada, entristecida... puta da vida! (perdoem-me a expressão) Além de sentir tais coisas, apenas fico pensando e escrevendo para desanuviar as ideias. Penso tudo confuso, como as minhocas entrelaçadas dentro do pote antes da pescaria. Penso em nossos frutos. Não nos frutos comerciais que chegam às nossas contas mal e porcamente todo início de mês, mas sim no fruto preso a terra que aramos todos os dias naquele lugar dito infrutífero.

Em janeiro de 2008 fazia uma reflexão semelhante a esta, quando, após ouvir durante todo o ano de 2007 o apelo aflito de minha filha e de minha afilhada por duas "bonecas bebês" (dessas que deixam qualquer adulto com vontade de ser criança de novo), resolvi dar uma ajudinha a Papai Noel. Peguei parte de meu suuuuuuuuper décimo-terceiro e comprei as tais bonecas. O natal foi aquela felicidade!

Como de costume, fui passar uns dias no litoral. Levei comigo as meninas, algumas malas e as tais bonecas. Um mês inteiro tranquiiiiiiiiilo na praia. Nada tranquilo foi o retorno. Resolvi voltar de ônibus com as meninas e como o volume de bagagem era grande, deixei as coisas no litoral e pedi que minha tinha retornasse com toda bugigangada em seu carro - inclusive com as bonecas, o que aconteceria uma semana depois de meu retorno ao Rio.

Almoçávamos tranquilos naquele domingo quando o bendito telefone tocou (os telefones hoje em dia parecem até missionários do capeta: quase nunca tocam pra dizer que você ganhou na loto, ou que foi promovido, ou que passou no concurso, ou com o carinha da festa do dia anterior te ligando. Em compensação, é call-center, cobrança, e notícia ruim direto!) e minha tia falava (quase em desespero) que havia sido roubada ao chegar na Cidade Maravilhosa. Fora abordada por três lindos homens bem-vestidos (palavras dela) enquanto deixava uma amiga em casa.

Acabara de comprar o carro. Era aquele, sua maçã suculenta. Dentro "da maçã", muitas coisas que trazia do Litoral, além das chaves de casa e de alguns documentos (incluindo um que a identificava como da coorporação policial) e das minhas malas e bonecas das meninas!

Era de manhã e ela havia visto nitidamente o rosto daqueles que levaram sua maçã. Daquele dia só lembro de três preocupações:
1) O que aconteceria quando os homens vissem os documentos de minha tia?
2)Como contaria para as meninas que "as bonecas já eram"?
3) O que eu vestiria nos próximos meses?

A resposta para a primeira preocupação veio logo nos dias que se seguiram. Deixaram na DP em que minha tia trabalhava um envelope com todos seus documentos e com as chaves de sua casa. É óbvio que a tia tomou as providências cabíveis: fez o B.O, denunciou, investigou e trocou as fechaduras de sua casa. Nenhuma dessas medidas, no entanto, impediu que os caras ousassem. Dias depois, tentaram entrar em sua casa. Como não conseguiram fazê-lo com as chaves, tentaram de outra maneira. Tentaram convencer uma vizinha a deixá-los entrar no condomínio, dizendo que prestariam um "serviço" para a Fulana de Tal". Como os vizinhos sempre sabem das coisa, a vizinha disse-lhes que a Fulana de Tal não morava mais ali. Outras tentativas e resultou que a Fulana de Tal acabou por se mudar.

Parece que semanas depois (ou meses, não lembro mais porque tenho problemas espaço-temporais) a quadrilha foi presa, mas até isto acontecer, minha tia perdeu mais do que um cesto bonito de maçãs. Ela perdeu quase toda liberdade, inclusive a de plantar no mesmo pomar de sempre, já que foi necessário que ela fosse transferida da DP onde trabalhava há anos.

Aos poucos as coisas foram voltando àquela normalidade de sempre: Todos nós trabalhando nos pomares, voltando para casa exauridos, ouvindo nos noticiários as novas vítimas da velha violência (sempre tão atual e repaginada). O mais curioso é que, muitas vezes ao ouvirmos tais noticiários, nos sentimos seguros (ainda que momentaneamente) quando estamos atrás dos grandes portões e vigias do condomínio; atrás das 5 ou 9 portas com alarmes pelos cômodos da casa; atrás das janelas com suas grossas grades de ferro; frente ao pit-bull no quintal; ao segurança contratado pela vizinhança; pelas cercas eletrificadas sobre o muro e por toda parafernália de última geração no que diz respeito a segurança (dignas de filme de ficçãocientíficas!).

Longe dos noticiários (para o bem ou para o mal), a vida foi seguindo e as respostas aparecendo. As meninas entenderam o episódio a seu modo. Compreenderam que "um homem mau roubou as bonecas" e, entre tudo, um questionamento curioso: "mãe, pra quê um homem grande quer as nossas bonecas?". Minha mente idiota só soube elaborar a seguinte resposta: " Te respondo quando você me disser pra quê um homem grande e forte quer minhas roupas pequenas e femininas... Mas o certo mesmo é: quem sabe?"

Não sei bem o motivo pelo qual tem sempre alguém querendo nossas maçãs. Talvez tenha mesmo relação com o pomar onde cada um cresça e é cultivado, como uns creem; talvez só tenha que ver com o bicho-da-maça que cresce mais dentro de uns do que de outros...

O caso é que diante dessas e de tantas outras coisas do cotidiano, às vezes dá um certo desânimo em cultivar maçãs. É que a gente está sempre preparado para as maças bonitas e saudáveis. É difícil aceitar que algumas maçãs apodrecem ou caem do pé ainda verde. Nunca deixamos de ficar tristes quando roubam de nós frutos suculentos. Mas sabe o que é mais intrigante???

É que curiosamente nunca deixamos de acreditar no cultivo das maçãs. Haja o que houver, dia após dia, apanhamos novos saquinhos de sementes, um pouco d'água e adubo qualquer e vamos nós futucar a terra com carinho e cuidado, até que a macieira floresça por mais um outono. É preciso cultivar maçãs pelo simples objetivo de ver o cesto cheio a cada nova estação. Cuidemos das feridas nas mãos, coloquemos as luvas e vamos à terra!

É o que tem pr'essa temporada!

1 comentários:

Live disse...

Eu nem sei o q comentar...vivo com tanto medo. Voltei a assistir ao jornal agora, pq não aguentei por mto tempo ficar tão desinformada, mas não consigo só me informar com ele, eu me sensibilizo com as notícias e as vezes revivo experiências ruins. Se já era difícil ver jornal pra mim, ficou ainda mais qdo uma grande perda virou notícia. Eu sei...sou uma besta q chora vendo jornal, mas eu tô no mundo e como não me perguntaram nda, tô por aqui tentando plantar minhas maçãs, rs. E sim...eu ainda me pergunto, como as crianças, o pq d certas coisas. Ridiculamente ainda me vejo questionando pq existem homens maus e percebo q a cada dia gosto menos ainda dos "humanos", só abro exceção para alguma gente q encontro por aí, rs.

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